26 setembro 2005

Momento Zen

Hoje de manhã tive uma revelação, um momento Zen... passo a explicar:
Estava a ver uma reposição do "Late Night Show" com o Conan O'Brien e o convidado era o actor Sir Anthony Hopkins.
No entanto, e ao contrário do que é habitual, o programa não foi histérico ou especialmente divertido. O anfitrião conduziu uma entrevista normal a um Anthony Hopkins sereníssimo, tranquilo, um "actor Zen" como lhe chamou Conan O'Brien.
A dada altura, do alto dos seus 68 anos, Anthony Hopkins disse qualquer coisa parecida com isto:
"Às vezes convidam-me para ir dar umas aulas à UCLA e o que me incomoda mais é a tensão, o nervosismo, a urgência daqueles alunos. E eu, porque também já fui jovem e também já fui assim, costumo dizer-lhes que o mundo amanhã vai voltar a girar e que a harmonia na vida deles não depende de um 17 ou de um 18, de um encontro satisfatório, da concretização de todos os seus sonhos. Não quer dizer que não lutem por tudo isso - devem fazê-lo - mas aceitem e aprendam com os sucessos e também com os insucessos e frustações."

Elementar... parece um daqueles conselhos dos livros de auto-ajuda que se vendem nas estações de serviço.
Mas é - e foi para mim - muito mais do que isso. Porque as palavras foram acompanhadas, e confirmadas, pela postura. Pela aceitação. Pela quietude. Pelo sossego.
Parece contraditório, mas não é. É precisamente assim que deve ser:

Sossega, coração! Não desesperes!

"Sossega, coração! Não desesperes!

Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!

O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme."

Fernando Pessoa, 2-8-1933.

PS - Força para todos os que andam inquietos com as teses. Sosseguem, contudo.

20 setembro 2005

O tempo, o contexto e o eterno retorno

Em boa verdade não me recordo exactamente onde, nem quando, mas lembro-me de ter lido um texto em que se defendia que o soneto "Alma minha gentil" de Camões e a letra da música "There's a light and it never goes out" dos Smiths podiam ter sido escritos pela mesma "alma".
Importa esclarecer que sempre fui bastante céptico no que diz respeito a estas comparações.
Como bom Português que sou, a simples hipótese de comparação entre um poeta maior da nossa Língua e um cantor (o Morrisey é muito bom cantor, sem dúvida, mas ainda assim um cantor) pareceu-me totalmente descabida.
Hoje, também não sei bem porquê, decidi procurar a letra da dita canção no Google.
Concedo. À excepção dos elementos contextuais óbvios e visíveis (não existiam carros, nem autocarros de 2 andares ou camiões de 10 toneladas no século XVI) e ainda dos aspectos formais que distinguem um soneto de uma letra de música, qualquer um dos textos fala dos mesmos temas: amor, saudade, distância e desprendimento.
E por sinal, qualquer um deles é bastante bem escrito.

"Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma cousa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou."

Luís de Camões

"Take me out tonight
Where there's music and there's people
And they're young and alive
Driving in your car
I never never want to go home
Because I haven't got one
Anymore

Take me out tonight
Because I want to see people and I
Want to see life
Driving in your car
Oh, please don't drop me home
Because it's not my home,
it's their Home,
and I'm welcome no more

And if a double-decker bus
Crashes into us
To die by your side
Is such a heavenly way to die
And if a ten-ton truck
Kills the both of us
To die by your side
Well, the pleasure - the privilege is mine

Take me out tonight
Take me anywhere,
I don't care I don't care, I don't care
And in the darkened underpass
I thought Oh God, my chance has come at last
(But then a strange fear gripped me and I
Just couldn't ask)

Take me out tonight
Oh, take me anywhere,
I don't care I don't care, I don't care
Driving in your car
I never never want to go home
Because I haven't got one,
Oh, I haven't got one

And if a double-decker bus
Crashes into us
To die by your side
Is such a heavenly way to die
And if a ten-ton truck
Kills the both of us
To die by your side
Well, the pleasure - the privilege is mine

There Is A Light And It Never Goes Out
There Is A Light And It Never Goes Out
There Is A Light And It Never Goes Out
There Is A Light And It Never Goes Out
There Is A Light And It Never Goes Out
There Is A Light And It Never Goes Out
There Is A Light And It Never Goes Out
There Is A Light And It Never Goes Out
There Is A Light And It Never Goes Out"

The Smiths

14 setembro 2005

sportstyle e lifestyle

Nos treinos de Judo, e nos de outras artes marciais, são-nos ensinados os princípios morais do guerreiro. Este código de honra tácito tem o nome de Bushido.
Bushido, literalmente traduzido, significa "Caminho do Guerreiro". Em Japonês, o vocábulo "Bushi" significa guerreiro e o vocábulo "Do" caminho. O ideograma para caminho, em japonês, é equivalente à forma chinesa “Tao” e exprime o conceito filosófico de absoluto.
A este conceito está subjacente, deste modo, a origem, o princípio e a essência de todas as coisas.
Seguir o Bushido é dar ênfase à lealdade, fidelidade, auto-sacrifício, justiça, espírito marcial e honra.
Neste sentido, todos somos "Bushi", i.e., todos somos guerreiros.
Na cultura Japonesa, um guerreiro é um indivíduo que procura o seu caminho, que tem objectivos e que, através deles, passa a ter consciência dos seus dons e das suas limitações.
Através dessa consciência o guerreiro tenta atingir os seus objectivos, combinando a sua perseverança com a vontade de vencer as suas fraquezas, os seus temores e as suas limitações.
Tenho saudades do tempo em que tinha tempo para ir ao Judo.
O Judo não é apenas um sportstyle.
O Judo é sobretudo um lifestyle que me inspira e me ajuda a trazer a cabeça alta.

05 setembro 2005

Medicação para a angústia

Posologia:
Usufruir com raiva moderada, várias vezes ao dia.
Nunca usar em vão ou em circunstâncias vãs.
Ler e sentir todas as palavras facilita a actuação do seu princípio activo.

Efeitos secundários:
Irritação ligeira mas permanente de querer, mas não conseguir, escrever assim.

LIBERDADE

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.

Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa