12 dezembro 2006

O desempenho e a mensagem



Em primeiro lugar o desempenho.
Esta senhora é simplesmente formidável. E é-o por várias razões.
A mais importante talvez seja porque é uma sublime despojadora.
Enquanto performer (não gosto muito do termo mas não me ocorre nenhum melhor neste momento) apenas canta e toca aquilo que é estritamente necessário para conferir uma dose de emoção e poder desarmantes.
Um dos aspectos mais admiráveis numa pessoa (e, por extensão, num artista) é a sua capacidade de gestão do silêncio e das expectativas. E são essas capacidades que, na minha opinião, mais ressaltam neste vídeo. Fantástico!
Em segundo lugar, a mensagem. E, neste aspecto concreto, é-me completamente impossível não entrar numa análise mais pessoal (não é isso que é suposto uma mensagem ser... a interpretação pessoal de um conjunto de sinais?).
Ora, precisamente há um ano estava a viver (julgava eu...) um dos momentos mais importantes da minha vida profissional. Posto desta forma, quase que não acredito. Mas é verdade, já passou um ano.
Por várias razões (sendo que a maior parte delas, com toda a honestidade, passa-me ao lado) o acontecimento que vivi há um ano apenas teve repercussões pessoais
.
E é aqui que entra a questão da mensagem desta música. A verdade é que já chega. Estou farto. E não vou assobiar para o lado e fingir que nada aconteceu.
Por isso, aqui fica a minha mensagem, embora por motivos bem diferentes dos do contexto da música: "you're not rid of me".

30 novembro 2006

Os Doors...

...enquanto fenómeno musical, sempre foram reconhecidos, infelizmente, pelas piores razões.
Isso deveu-se, sobretudo, ao facto de terem um vocalista altamente desejado, mediático e polémico, numa altura que se caracterizou pela expansão da TV, pelo surgimento de programas de entretenimento para as massas e por uma grande conturbação e agitação social.
Mas para mim, em termos musicais, interessaram as palavras, as músicas e o contexto. E, fundamentalmente, o ambiente que é criado pela conjunção das três, i.e., a obra artística que nasce da justaposição destes três factores.
Quem me conheceu há muitos anos (ou melhor, há MESMO muitos anos) sabe que eu fui um grande fã dos The Doors. Para ser absolutamente sincero, considero que sou agora um fã mais honesto do que era antes, liberto que estou de hypes e trends adolescentes.
Hoje, numa das minhas divagações pelo YouTube, descobri uma autêntica preciosidade - uma actuação ao vivo dos Doors em que estes interpretam a música The End. Esta música é sobejamente conhecida (talvez, uma vez mais, pelas piores razões) mas o que muitos talvez não conhecem é o ambiente hipnótico, intimista e libertador de uma actuação ao vivo desta banda. Aqui fica o vídeo (bastante longo, por sinal) que ilustra esse ambiente.
E não, não é o fim. Se calhar é o início de uma nova abordagem.


22 novembro 2006

Tão triste...

...tão bela, tão decadente que chega a doer.
Ide e multiplicai o ataque massivo.



Live with me (ft. Terry Callier) - Massive Attack

It don't matter, when you turn

Gonna survive, live and learn.
I've been thinking about you baby
By the light of dawn, and in my blues
Day and night, I been missing you

I've been thinking about you baby,
Almost makes me crazy,
Come and live with me

Either way, win or lose,
When you're born into trouble you live the blues

I've been thinking about you baby

See it almost makes me crazy child
Nothing's right if you ain't here
I'd give all that I have just to, keep you near
I wrote you a letter and tried to make it clear
That you just don't believe that, I'm sincere.

I've been thinking about you baby...

Plans and schemes, hopes and fears
Dreams i've denied for all these years

I've been thinking about you babe, living with me, well.....
I've been thinking about you baby, makes me wanna...child

Nothing's right, if you ain't here
I give all that I have just to keep you near
I wrote you a letter darlin', trying to make it clear
How much you just don't believe that I'm sincere.
Thinking about you baby, I want you near me

09 novembro 2006

Puro delírio...

... e alegria musical, para me animar num dia sem chuva mas triste e melancólico.
Ide... e é só não nos esquecermos de respirar fundo.


09 outubro 2006

Este senhor...

... é genial.
E não é apenas pela música. Que é estranha e dura mas, de uma forma sublime, melancólica.
Não é também apenas pelos vídeos. Que são agressivos, urbanos e esquizofrénicos mas, de uma forma bizarra, belos.
Talvez seja pela natureza crua das letras. Ou pela entropia de significação das expressões que utiliza. Ou pela voz rouca e sofrida que canta o sol e o mar mas, no verso seguinte, chora a lua e o deserto.
Aqui fica um exemplo ilustrativo de tudo o que disse. A música chama-se "God's away on business" e é um tema do álbum "Blood Money".
Ide e multiplicai a rouquidão.



05 outubro 2006

The mind boggles

Por vezes sentimos sem que consigamos escrever o quê. E o como. E o porquê.
E a pergunta surge, quase indecorosa: se o sentimento não é passível de ser escrito é passível de ser sentido? De ter sentido?
E a resposta é: o quê? Como? Porquê?

* sigh *

Pensamentos circulares cheios de saudades de casa.

15 setembro 2006

Update

Desde o início do mês de Julho que não publico nenhum texto neste espaço.
Em boa verdade, não tenho qualquer motivação para o fazer. Nada aconteceu de relevante, estranho, simpático, absurdo, alegre ou triste para que o fizesse.
Neste momento escrevo porque tenho saudades: de casa, de pessoas, de ritmos, de conforto, de segurança. Muitas saudades!
Se tudo correr como previsto regresso amanhã. Ao meu país, ao convívio das pessoas de quem tenho saudades, aos meus ritmos... a casa.
Até já!

05 julho 2006

O Mar Português...

... parte integrante da Mensagem de Fernando Pessoa, é a formulação poética mais perfeita - do meu ponto de vista - do(s) destino(s) de Portugal.

Todos os dias escrevemos a nossa história como nação. E hoje, também por isso, vamos assistir a mais do que um jogo de futebol. É, uma vez mais, o nosso encontro com o destino e com a história.

No entanto, em boa verdade, o resultado pouco interessa.

Como diz o refrão da música, "podemos não chegar à lua mas tirámos os pés do chão."

Força homem do leme, força Portugal!

IV
O Mostrengo

O mostrengo que está no fundo do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: "Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse, tremendo:
"El-Rei D. João Segundo!"

"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse:
"El-Rei D. João Segundo!"

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!

(...)

Prece

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -,
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!"

04 julho 2006

Aguenta coração de Portugal...

A frase era do Jorge Perestrelo que, infelizmente, já não está cá para comentar os jogos da selecção de Portugal, como só ele podia e sabia.
Mas a Antena 1 tem um comentador que vive estes momentos como poucos.
Por isso, e porque o coração de Portugal tem sido feito para aguentar, aqui fica a emoção do relato dentro da emoção que é um jogo de Portugal.


28 junho 2006

Mais do que futebol...

Sempre fui um grande adepto de futebol.
No entanto, sempre vi o futebol como uma actividade que é mais do que um mero desporto. E, por essa razão, tenho muita pena que não haja mais pessoas que escrevam sobre futebol como Jorge Valdano.
O texto que se segue é, por isso, a minha pequena homenagem aos textos sobre o futebol-mais-do-que-um-mero-desporto e também uma singela homenagem, do seu autor - Jorge Valdano - e de mim próprio, àquele que eu considero ser o melhor jogador do futebol de sempre (como eu gosto de o idealizar).
Silêncio... o mestre das crónicas de futebol escreveu sobre Pep Guardiola:

GUARDIOLA: EL GUARDIÁN DE LA MEMORIA por Jorge Valdano

"Mi primera formación futbolística la recibí en Sudamérica, por eso entiendo al medio centro desde la presencia y la sabiduría, como Pipo Rossi; desde el grito y la personalidad, como Obdulio Varela; desde la técnica para la distribución, como Didí. El heredero deslumbrante de esa estirpe se llama Pep Guardiola, hace su juego en Barcelona y no se cansa de batallar contra la decadencia. Guardiola es un creyente de cierto estilo de fútbol y lo defiende con ardor mesiánico en el campo de juego y en la mesa de bar. El tema me obsesiona porque estamos ante un jugador que, en medio de la consagración de la mediocridad, defiende ideas grandes. Usémoslo, entonces, como ejemplo.

Jugando al futbol es un excelente entrenador. Piensa tanto en el partido antes de jugarse el partido, que cuando juega el partido siempre nos queda la impresión de que el partido que está jugando ya lo jugó varias veces. De tanto pensar fue suplantando la mirada por la memoria. El partido que Pep se imagina tiene el campo dividido en once cuadrículas y la del medio se la reserva para él. Entre cuadrícula y cuadrícula el que corre es el balón, nunca el hombre. Cuando las cuadrículas no están ocupadas como él se imaginó se siente incómodo, perdido, como un ciego que entra en una habitación con los muebles cambiados de lugar. Puede ocurrir, por ejemplo, que Guardiola entre en contacto con la pelota y los extremos no estén pegados a las bandas, en ese caso los considera traidores a la causa de su fútbol. En esto es tan fundamentalista que si tiene que jugar un partido en la playa pone a un compañero en la orilla del mar y a otro en la escollera. De lo contrario que no cuenten con él. Sólo se siente peor cuando un compañero le invade su propia cuadrícula porque, celoso al máximo de la propiedad privada, termina con el mismo tipo de irritación que siente cualquiera que encuentra ocupado su sillón favorito en el salón de casa. Pep, antes de buscar acomodo en otro lugar, es capaz de sentarse encima del intruso.

El fútbol de Guardiola parece espontáneo, pero no lo es. Como esos conferenciantes que preparan el discurso hasta sabérselo de memoria y luego exponen, sin apoyarse en ningún papel, la noble mentira de la espontaneidad. Le da placer encontrar en el campo lo que se imaginó fuera. Si hasta ahora el gran jugador era aquel capaz de hacer lo imprevisible, desde Guardiola hay que reconocer otro modelo de gran jugador: él capaz de perfeccionar lo previsible. Aquel provocaba asombro, a este se le disfruta desde el sentido común: de hecho es muy difícil no estar de acuerdo con las ocurrencias almacenadas por Pep.

Es como la estatua del héroe de la ciudad que vigila dominante desde el centro de la plaza, como el reloj altivo e imprescindible de la estación de tren, como el guardia de tráfico que le pone orden y calma a la caótica circulación. Ahora pasen todas estas alegorías por la risa para desacralizarlas porque esto es futbol y conviene no pasarse de serios. Sólo pretendo buscar imágenes para que sitúen a Pep como símbolo, referencia y eje futbolístico en el centro mismo del Camp Nou. Y todavía no empezó el partido.

Si un jugador le da más de tres toques al balón en el centro del campo, lo excomulga con un comentario definitivo: "no sabe jugar al fútbol". Como su partido lo juega a dos toques, ha desarrollado al máximo la técnica del control y el pase, hasta dar lecciones de precisión en velocidad. Conducir, regatear y tirar, no forman parte de las necesidades básicas de su juego; nadie podrá decir que se trata de defectos o carencias, porque una de las manifestaciones menos reconocidas de la inteligencia de Guardiola, es que sabe esconder lo que peor hace. Tampoco con su físico hay que hacerse muchas ilusiones, pero como él conoció pronto esas carencias, las incorporó a su proceso de aprendizaje.

Guardiola es un hijo catalán de la escuela futbolística holandesa. A sus tendencias personales, hay que agregarle los geniales consejos de su admirado Johan Cruyff y, finalmente, el método académico y sistemático de Van Gaal, esas tres son las capas geológicas más sólidas de su personalidad futbolística. A estas alturas de su evolución, Pep entiende que un equipo es como un cerebro colectivo y el futbol, antes que "un sentimiento con el que se juega" es una idea con la que se divierte. "¿Sabes qué placer da ver aparecer los espacios que tú has provocado?" Pregunta con cara de iluminado.

Ahora sí empezó el partido y esta vez lo imagino con las cartas de navegación bajo el brazo espiando espacios vacíos por donde pase un balón, buscando lugares propicios para provocar la superioridad numérica, detectando sitios en donde los especialistas puedan hacer la apuesta del mano a mano. En el respeto al juego, en su intención de no regalar nunca la iniciativa, en el contagio de su amor por lo que hace, reconozco en Pep al medio centro de toda la vida, atravesado por todas las grandes tendencias del último siglo. Guardiola es una culminación porque hace lo que debe y siempre sabe los "porqués". Discutimos, porque yo siempre he preferido a los futbolistas y a los hombres con respuestas espontáneas antes que premeditadas, pero a pesar de la tenacidad de nuestras ideas no puedo dejar de hacer una excepción y admirarle la pasión, la convicción y el compromiso puestos al servicio de una hermosa geometría en donde el balón baila con exactitud."

09 junho 2006

A place called home...

by PJ Harvey.

One day, I know
We'll find, a place of hope
Just hold on to me
Just hold on to me

Walk tight
One line
You're wanted
This time
There's no-one to blame
Just hold on to me

And I'm right on time
And the birds keep singing
And you're right on line
And the bells keep ringing
And the battle is won
And the planes keep winging
And I'm right on time
One day there'll be a place for us

I walk
I wait
With folded hands
And lonely
I stumble
I stumble
With you
I wait
To be born
Again
With love comes the day
Just hold on to me

And I'm right on time
And the birds keep singing
And you're right on line
One day there'll be a place for us
And the bells keep ringing
And the battle is won
And the planes keep winging
And I'm right on time
One day there'll be a place for us
And the girl keeps singing

Now is
The time
To follow through
To read the signs
Now the
Message is sent
Let's bring it to its final end

And I'm right on time
And the birds keep singing
And you're right on line
One day there'll be a place for us
And the bells keep ringing
And the battle is won
And the planes keep winging
And I'm right on time
One day there'll be a place for us
And the girl keeps singing

And I'm right on time
And the birds keep singing
And you're right on line
One day there'll be a place for us
And the bells keep ringing
And the battle is won
And the planes keep winging
And I'm right on time
One day there'll be a place for us
And the girl keeps singing

One
Day
I
One day there'll be a place for us
Know
There'll be
A place
Called
One day there'll be a place for us
Home

31 maio 2006

Para variar...

... tenho uma história para contar.
Não é boa nem é má. Nem apenas alegre ou triste. Como qualquer outra história, de resto.
Era uma vez um homem que, num dado momento da sua vida, se sentia vazio, sem objectivos, sem vontade, descrente.
Esse homem sentia-se culpado por não querer. Ou melhor, por não querer como todas as outras pessoas querem.
Para expiar essa culpa e para passar a querer o que queria de outra maneira, disse o que não queria.
E agora só queria não ter querido dizer o que queria dessa outra maneira. E agora não sabe nada. Como qualquer outro homem, não sabe, definitivamente, se quer o que quer, apenas sabe que não o quer assim.
E esse homem tem passado os seus dias a tentar decidir coisas, de indecisão em indecisão.
Não tem conseguido mas, ainda assim, decidiu não desistir.
Lamento informar mas não há qualquer moral nesta história.
Como não a há em qualquer outra história, ou vida, de resto.

28 maio 2006

Hoje...

... "O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

(...)

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser... "

Álvaro de Campos

As palavras têm poder. As palavras sentem. As palavras fazem sentir.
No entanto, no turbilhão do mundo que nos acontece a todo o momento, quase nunca tenho clarividência para as escolher devidamente.
Estou, de facto, bastante...
Não sei bem porquê, de quê ou por que razão.
Não me podia importar menos. Basta-me saber que estou.
E não há qualquer drama nisso. Amanhã é outro dia e eu também vou mudar.
Até amanhã então.

PS - Não tenho paciência para o fazer. Mas se tivesse, misturava a música do vídeo dos Air - All I need - apenas com uma narração deste poema de Álvaro de Campos.
Se tivesse paciência para o fazer e ainda para, depois, o ver e sonhar, se calhar amanhã acordaria menos cansado.



09 maio 2006

life: type real

Escrevo.
Escrevo a solidão? A beleza? A alegria? Mesmo o que devia ficar esquecido?
A escrita é um abandono, um passo em falso entre mim e a realidade, um acaso.
Escrevo a verdade? A mentira? Não, escrevo a vida.
A vida com olhos acima do céu, que não escapa às redes de malha curta de ter que a escrever.
Sempre que escrevo desisto.
E deixo-me, em pedaços, estilhaçado, no que escrevi.
E sigo neste movimento contínuo: de juntar os destroços em nova vida que vou voltar a escrever.
Escrevo a evolução? Sim, talvez. Com pesar e egoísmo.
As palavras são universais mas os destroços são os meus.
Mas as palavras que utilizo, para juntar os meus destroços, passam a ser só minhas.
Porque essas palavras, espartilhadas dos meus destroços, nada significam.
As palavras só são reais quando são construídas, destroçadas e reunidas outra vez.
As palavras apenas são ideias quando são vida.

Mas será que tudo se passa apenas assim?
Ou as palavras das vidas dos outros também são destroços das nossas?
É o mais belo poema que se pode escrever: o que ajuda os outros a reconhecer que muitos destroços são de todos:

"A poesia é o autêntico real absoluto.
Isto é o cerne da minha filosofia.
Quanto mais poético, mais verdadeiro."
Novalis

02 maio 2006

Jimi plays Bob Dylan and myself...

Tenho uma relação estranha com a música.
Quem me conhece sabe que a música está presente em todos os momentos da minha vida.
Era-me extremamente simples, por exemplo, fazer a banda sonora de tudo o que me lembro de ter vivido: todos os grandes - bons e maus - momentos da minha vida têm uma música qualquer associada.
E é por isso que a minha relação com a música é estranha. Porque nem sempre gosto de recordar, nem sempre quero criar motivos para fazê-lo. Ou seja, nem sempre me apetece ouvir música e criar potenciais futuros recalcamentos.

Quando recebi este link senti um arrepio. Eu explico: ainda existe, em casa dos meus pais, uma cassete VHS com este concerto, que gravei por volta de 1990.
Nesta música, de tanto a ouvir, o som já está adulterado, tipo 45rpm, e a imagem aos saltos.
A música é, como se sabe, imitável. Um bom executante, com o equipamento certo, conseguiria reproduzir esta actuação do Jimi Hendrix em Atlanta.
Mas a imagem, o feeling, a recordação, esses, são inimitáveis.
Do ponto de vista formal/técnico esta música -
"All along the watchtower" - é um marco: o solo, brilhante, a meio da música (considerado, por muita gente, como o melhor solo de guitarra de sempre numa actuação ao vivo), é histórico.
Do ponto de vista pessoal, a forma como ele se engana no início da música e diz, posteriormente e com maior das naturalidades "As I was saying...", diz muito de mim nessa altura da minha vida.

*sigh*

Fabricar este som, em 1970, apenas com uma guitarra, um baixo e bateria é único.
Ouvi-lo, como eu ouvi em 1990, em circunstâncias muito especiais foi também único para mim.
Voltar a ouvi-lo, em 2006, é como ver certas fotografias e cartas antigas: neste caso, um exercício de puro prazer.


18 abril 2006

2...

músicas, para ouvir de olhos fechados e expiar a mediocridade, o rancor e a vulgaridade.
As minhas palavras, por poucas que sejam, são um ruído (ainda mais, neste caso) desnecessário.
Ide e multiplicai a expiação.

1

2

28 março 2006

Os meus filmes e os meus dias...

Já aqui não vinha há muito tempo.
Na verdade não tenho tido a mínima vontade de escrever. Nem neste contexto nem noutro contexto qualquer.
Estou a viver uma altura de decisões. Pessoais. Intransmissíveis. Daquelas para a vida.
Mas nunca fui grande guionista. Os encadeamentos de sequências, de histórias de vida, sempre me pareceram um exercício duvidoso e inútil.
Não gosto de projectar desejos e angústias pessoais para personagens ficcionados. Também não gosto por aí além de os viver, de forma epidérmica. Gostava de poder ter, como agora se diz, um distanciamento crítico sobre os acontecimentos que sou obrigado a experienciar.
Mas isso é o aspecto definidor de qualquer vida: o facto de não a podermos viver por fora.
Também gostava de ser menos imaturo, puto e irresponsável, e ainda menos teimoso e obstinado. E talvez, também, menos arrogante, sobranceiro e egoísta. E (mais) menos algumas coisas ainda.
Mas não temos de ser perfeitos para viver todos os dias. E eu não quero viver todos os dias sozinho.
Acho que não, que não quero.
Por isso acho que sim, quero.

02 fevereiro 2006

Desejo....

Por vezes, quando encontramos a paz de espírito necessária que nos permite afastar dúvidas e medos, por um instante, breve, tudo se apresenta claro e óbvio.
Não é preciso muito... apenas a coragem e a força que nos ajude a acordarmos e deitarmo-nos sempre com o mesmo objectivo: estar orgulhoso pelo que aprendi, ajudei a aprender, fiz e ajudei a fazer hoje e desejar que amanhã o dia que todas as pessoas no mundo vão viver seja um pouco melhor.
Boa noite!

17 janeiro 2006

Em linha recta...

O confronto com a personalidade das pessoas é um factor incontornável das nossas vivências diárias.
Como é óbvio, dependendo dos dias, do humor e de outros factores nem sempre fáceis de explicitar, nem todos os traços de personalidade das pessoas com quem convivemos nos agradam.

Até aqui... tudo bem.
Mas se há traço de personalidade que detesto, em qualquer situação e em qualquer pessoa, é a arrogância, a suposta superioridade (intelectual e moral) que alguns julgam ter e que as faz projectar sobre os outros (aqueles que, supostamente, são menos capazes ou dotados intelectual e/ou moralmente) uma atitude de profundo desprezo e sobranceria.
É pois chegado o momento de, inequivocamente, dizer publicamente o que penso dessas pessoas:












Aí está. Não penso nada. Absolutamente nada.
Acho que não merecem um único segundo da minha atenção ou reflexão, para além dos que perdi ao escrever este texto e todos estes parágrafos ridículos para gerar um espaço em branco.
Estou, também eu, a ser arrogante e sobranceiro? Definitivamente.
Mas estou apenas a ser humano. Os outros, os supostamente superiores, estão a portar-se como semi-Deuses.
E para eles, que sabem quem são - perdidos nos seus castelos tão mesquinhos de rancores e invejas - dou-lhes com a alma, em linha recta:

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?"

Álvaro de Campos