28 junho 2005

O algoritmo da memória...

Seleccionar a música.
Pressionar o play.
Começar a ouvir.
Fechar os olhos.
Viajar no tempo.
Ouvir 2:44' de música que são 3 ou 4 anos inteiros.
Lembrar algumas coisas desses anos: os testes de Francês e de Ciências Naturais, o bate-pé, o estômago e o coração aos saltos porque se vislumbrou um sorriso.
Abrir os olhos.
Procurar a letra no Google.
Considerar, com sarcasmo, que a letra é ingénua e inconsequente.
Pensar: "Tal como eu, para aí dos 13 aos 16 anos."
Copiar a letra.
Colar neste post.

Catch - The Cure

Yes I know who you remind me of
A girl I think I used to know
Yes I’d see her when the day got colder
On those days when it felt like snow
You know I even think that she stared like you
She used to just stand there and stare
And roll her eyes right up to heaven
And make like I just wasn’t there

And she used to fall down a lot
That girl was always falling
Again and again
And I used to sometimes try to catch her
But I never even caught her name

And sometimes we would spend the night
Just rolling about on a floor
And I remember
Even though it felt soft at the time
I always used to wake up sore
You know I even think that she smiled like you
She used to just stand there and smile
And her eyes would go all sort of far away
And stay like that for quite a while

I sometimes even tried to catch her
But I never even caught her name

Dar a possibilidade de ouvir um excerto ali.
Voltar ao presente.
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26 junho 2005

Boa noite!

Os meus sonhos eram, há uns tempos já idos, preenchidos por mil e um outros sonhos e pessoas.
Sonhava ter uma voz que fosse uma mistura divina das vozes do Chris Cornell e do Eddie Vedder.
Sonhava tocar guitarra como o Jimi Hendrix, escrever como o Fernando Pessoa, jogar futebol como o Guardiola...

Os meus sonhos são, no tempo presente, bem mais simples.
Apenas sonho com a capacidade de ter dignidade. De acreditar. De não adiar. De conseguir sem pisar ninguém. De ser egoísta sem ser egocêntrico. De partilhar. De conseguir retribuir o amor que me dão incondicionalmente.

Os meus sonhos são, hoje em dia, o que quero ser e albergam as pessoas que realmente me importam.
Antes eram apenas sonhos acerca do que eu julgava que os outros quereriam que eu fosse.
E por isso são, agora sim e com toda a propriedade, os MEUS sonhos.
E não apenas sonhos moldados por mil e um outros sonhos e pessoas que nunca poderão tomar forma em mim.

20 junho 2005

Portugal, a agricultura e o meu pai

Não, não vou falar da Política Agrícola Comum. Não que não seja importante mas há assuntos, actualmente, bem mais importantes.
Recentemente assistiu-se em Portugal a uma manifestação de partidos nacionalistas que vieram para a rua agitar bandeiras de Portugal e dizer que têm orgulho em ser brancos e que a culpa disto estar como está é dos imigrantes.

O meu pai, depois de se reformar, tem-se dedicado à agricultura.
Uma das imagens mais fortes que guardo desta nova actividade a que ele se dedica é a da colocação do pau de medrar. O pau de medrar é um auxílio às plantas e árvores em crescimento ou desenraízadas para que elas se possam desenvolver correctamente, sem serem prejudicadas pelo vento, por outras plantas mais fortes ou pela tendência inata para crescerem tortas se não tiverem apoio.

Na minha opinião o Estado devia ser o pau de medrar de todos os (imensos) desenraízados existentes em Portugal. Devia, deste modo, garantir um direito integral e sem reservas a uma cidadania integral, sem exclusões.
Na minha opinião, a criminalidade organizada destes grupos de desenraízados existe porque, à semelhança do que acontece com a criminalidade praticada por indivíduos de outras etnias, eles não têm hipóteses de trabalhar, de descontar, de ter apoio na doença, de ter padrões de vida minimamente aceitáveis como a grande maioria dos cidadãos.
Se o Estado fosse um penhor destes apoios, destes paus de medrar, do ataque às causas sociais e culturais na génese destes actos, poderia haver uma política séria de punição dos transgressores. Com a força da lei e da autoridade moral de quem pode punir porque garante condições para que estes actos não ocorram, de quem garante a possibilidade de exercício de uma cidadania plena, com direitos e deveres.

Nós, os Portugueses, somos culturalmente a miscigenação, o equilíbrio, a síntese, a tolerância e não a imposição, a ruptura, a intolerância.
O meu pai, que é a pessoa maior do pequeno mundo que é o meu, já teve um filho (três, para que conste) e já plantou imensas árvores. Que eu saiba, para se encaixar naquele cliché ancestral do Ser Português, só ainda não escreveu um livro.
Mas, em compensação, já ajudou muitas pessoas, plantas e árvores a medrar. Com carinho, liberdade e tolerância mas sem negligenciar os deveres e responsabilidades.
E nunca utilizou os paus para punir. Apenas para ajudar a crescer.

14 junho 2005

the present tense

Present Tense - Pearl Jam

"do you see the way that trees bend?
does it inspire?
leaning out to catch the sun's rays,
a lesson to be applied

are you getting something out of this all-encompassing trip?
you can spend your time alone, redigesting past regrets,
or you can come to terms and realize
you're the only one who can't forgive yourself,
makes much more sense to live in the present tense.

have you ideas on how this life ends?
checked your hands and studied the lines?
have you the belief that the road ahead ascends off into the light?
seems that needlessly it's getting harder
to find an approach and a way to live.

are we getting something out of this all-encompassing trip?
you can spend your time alone redigesting past regrets,
or you can come to terms and realize
you're the only one who cannot forgive yourself,
makes much more sense to live in the present tense."

Será o presente um tempo verbal? Um estado de espírito - tenso e permanente? Um escrito em constante progressão?
A indefinição do poema mais belo e claro é como a espuma das ondas.
Não é o mar mas cheira a mar.
A poesia não é a vida. Mas cheira a vida. Com ou sem acento no 'a'?

13 junho 2005

Sobre a flexibilidade...

Ouvi um dia num filme qualquer (julgo que foi no filme Braveheart) que os homens inflexíveis são mais facilmente admirados. Pela pose, pela impenetrabilidade, pelo seguimento cego e determinado das suas ideias, pelas suas convicções, pelo olhar penetrante.
Em termos cognitivos, no entanto, foi provado em diversos estudos que uma característica fundamental da capacidade de aprendizagem é, precisamente, a flexibilidade: representacional, casuística, conceptual - isto é, a flexibilidade cognitiva. Valorizam-se, deste modo, múltiplas representações do conhecimento que contribuem para a construção de estruturas cognitivas mais fortes (em profundidade e horizontalidade - conhecimento conceptual e conhecimento declarativo) e que permitem uma resposta mais fundamentada em situações detentoras de novidade.
Ora... em que é que ficamos?
Eu respondo rapidamente: prefiro a flexibilidade de Eugénio de Andrade à inflexibilidade (notável, é um facto) de Álvaro Cunhal:

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor,
é urgente permanecer.

08 junho 2005

O sol ou a chuva e a esperança de um novo dia

Hoje de manhã ouvi, pela primeira vez e com alguma atenção, o single do último álbum dos Blind Zero e uma pequena entrevista à banda.
Desde essa altura que fiquei a pensar no nome do álbum e no título e parte da letra do single.
O álbum chama-se "The night before and a new day". Quando foi questionado acerca da razão para a escolha deste nome, o vocalista da banda respondeu que este álbum era um álbum mais maduro. Menos psicótico e intimista que os anteriores e, por conseguinte, mais confiante, optimista e feliz.
Quanto ao excerto da letra do single (cujo título é Shine on) que me chamou a atenção é o seguinte:

You defy, I remain
Prisoner of your decisions
I dream, you laugh
I can remember how it started
One day, you'll see
Details will make all the difference
I love you, goodbye

Percebi imediatamente a força da associação: um álbum mais confiante, optimista e feliz deve ter como título do primeiro single a palavra Shine. É uma excelente headline.
E para provar que também gosto de palavras, foi então que percebi a razão por que fiquei a pensar no nome do álbum e no título e letra do single. Na actual conjuntura política e social Portuguesa, o nome do álbum devia ser o objectivo de todos e cada um dos Portugueses: fundar uma amanhã melhor, livre das nuvens psicóticas e sebastianistas do passado, um amanhã em que não houvesse vontade de dizer "I love you, goodbye".
Quanto ao shine on...Portugal não precisa de sol. Precisa de chuva. Ininterrupta. Semanas e semanas. Para lavar a cara e tirar o cheiro a bafio, a incêndios, a suor, a terra seca, a tricas e a podre. Tal como dizia o Miguel Sousa Tavares há uns tempos n'O Público, uma chuva regeneradora.

07 junho 2005

Acessorium sequitur principale

Faço parte de uma grande maioria que confessa, amargurada, andar a ler menos do que deseja.
E este facto é, nas circunstâncias actuais, pouco menos que uma tragédia.
Nestes tempos de indefinição política e social, de um relativismo moral atroz, é cada vez mais necessário ler. Ler para estar informado. Ler para poder informar. Ler para conseguir fundamentar as escolhas que diariamente temos de fazer.
Será que os nossos representantes, que escolhemos ciclicamente e a quem pagamos para tomarem decisões, também lêem?
Será que alguma vez leram o livro Siddhartha, de Hermann Hesse?

"(...) [N]ão aprecio as doutrinas, não têm dureza ou moleza, não têm cores, não têm arestas, não têm cheiro, não têm gosto, nada têm senão palavras. Talvez seja isso que te impede de encontrares a paz, talvez sejam as palavras em excesso. Porque também libertação e virtude (...) são meras palavras."

05 junho 2005

Portugal no dia 05 de Julho de 2005

As reformas.
As pensões.
A seca.
A Europa.
A política.
O Não.
Os jornalistas.
Os comentadores.
Os dirigentes.
O futebol.

*sigh*

Depois da Feira

Vão vagos pela estrada,

Cantando sem razão
A útima esp'rança dada
À última ilusão.
Não significam nada.
Mimos e bobos são.

Vão juntos e diversos
Sob um luar de ver,
Em que sonhos imersos
Nem saberão dizer,
E cantam aqueles versos
Que lembram sem querer.

Pajens de um morto mito,

Tão líricos!, tão sós!,
Não têm na voz um grito,
Mal têm a própria voz;
E ignora-os o infinito
Que nos ignora a nós.

Fernando Pessoa, Cancioneiro

02 junho 2005

Porque sim e porque não

Escrever...
Escrever porque sim, escrever porque não, escrever porque não quero falar, escrever porque nem sequer escrever me apetece.
É essa a aventura da escrita. Exprimir toda e qualquer emoção.
No fundo escrever é oficializar formalmente a esquizofrenia humana, convencionar o turbilhão emocional que nos varre.
Não interessa se há quem goste, quem leia... no limite nem interessa escrever ou o que escrevemos ou a pessoa e a emoção que somos quando escrevemos.
Ainda a este respeito, confesso que estou rendido. Incondicionalmente.
Trocava grande parte das palavras que já escrevi pela capacidade de escrever estas palavras, desta forma:

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Alberto Caeiro (07-11-1915)

Este blog é, deste modo, a face visível das minhas raízes, a flor e a erva daninha que convivem dentro de mim.